A concessão à Lusoponte da 2ª Travessia do Tejo ligando Lisboa à margem Sul decorreu no âmbito de um concurso internacional, bastante participado, e com consórcios que incluiam as maiores e melhores empresas do sector da construção e gestão de infraestruturas do mundo.
Não há razões para considerar, portanto, que o acordo não foi um acordo justo, que não foi um acordo livre, que não foi um acordo obtido em mercado concorrencial.
Nas negociações finais, para se chegar à chamada BAFO (Best And Final Offer) parece normal que a Lusoponte quisesse incluir no acordo uma salvaguarda para possível (futura) concorrência que viesse a afectar o modelo de negócio que estava a ser negociado e sob o qual os direitos e obrigações de cada uma das partes seriam estabelecidos.
Parece óbvio que se o Estado, a um dado momento da concessão, decidisse construir mais travessias junto às travessias concessionadas à Lusoponte, concerteza que o chamado Base Case da Lusponte não teria condições de se efectivar, afectando, assim, a rentabilidade, se não mesmo a viabilidade, da concessionária.
Do meu ponto de vista vejo duas alternativas fundamentais para efectuar esta "blindagem":
1- Prever esquema de compensação caso uma nova travessia se viesse a concretizar. Compensação pelos danos efectivos e verificados.
2- Conceder exclusividade nas travessias, e assim, qualquer perda de tráfego nas actuais pontes seria compensada na(s) nova(s) travessia(s).
À priori, a primeira opção surge como a mais natural, dada a natureza do assunto (afinal estamos a falar de monopolizar as travessias do Tejo na capital do país) e dado o prazo em que se desenrolam estes projectos (tipicamente algumas dezenas de anos) o que lhes atribui um considerável nível de incerteza.
No entanto a escolha recaiu na atribuição de exclusividade, o que pareceu um pouco bizarro.
Há dias, na SIC Notícias percebi por que motivo o ministro da altura (Engº Ferreira do Amaral) fez esta opção. Segundo ele, era sua convicção que dentro do período da concessão da Lusoponte, não haveria necessidade de se construir uma terceira travessia.
Imagino eu que, estando ele convicto disto, terá considerado que ao colocar este direito no contrato com a Lusoponte poderia retirar benefícios adicionais. Porquê? Vejamos:
Para a Lusoponte qual é o valor da exclusividade? Vale a segurança de não ter o plano de negócio afectado por concorrência sem respectiva compensação e vale o que valer o novo negócio de travessias adicionais, ou seja, o novo tráfego a atravessar o Tejo.
Para o ministro o que é que valia a exclusividade? Vale menos, resolve-lhe apenas o problema de incluir no contrato com a Lusoponte a protecção face a futura concorrência. Mais que isso não era muito, pois ele não incorporava a expectativa de efectiva construção de nova travessia.
Assim, o ministro, vendo que a outra parte atribuía mais valor à exclusividade de travessias do que ele próprio, agiu racionalmente, ou seja, escolheu essa opção. Fazer esta escolha terá possibilitado, espera-se, obter contrapartidas no processo de negociação, as quais ele valorizava mais do que a exclusividade.
No entanto, e em teoria, ele esteve disposto a aceitar menos contrapartidas do que exigiria caso a sua expectativa fosse idêntica à da Lusoponte. E sabemos que não era, porque então nesse caso não se justifica a escolha da opção mais bizarra, pois ela nada acrescentava.
O que vemos hoje é que o ministro estava enganado, e portanto, ao optar pela solução mais bizarra também optou pela solução que mais beneficiou a Lusoponte. De facto, ao incorporar no negócio uma expectativa que se verificou errada, o Engº Ferreira do Amaral aceitou (teoricamente) contrapartidas de valor inferior ao valor que o direito de exclusividade tinha para a Lusoponte e, sabe-se hoje, inferior ao valor que o direito efectivamente revelou ter.
Portanto, e em suma, não creio que neste negócio possamos encontrar desonestidade em nenhuma das partes (suspeita que frequentemente é levantada nos órgãos de comunicação social), encontro, sim, uma enorme falta de visão do Engº Ferreira do Amaral, que em meados da década de 90, ocupando o cargo de Ministro da Obras Públicas considerou como "muito pouco provável" a construção de uma terceira travessia do Tejo junto a Lisboa.